Acumulação de funções por trabalhadores da Administração Pública – requisitos legais
CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO (CPA)
Secção VI DAS GARANTIAS DE IMPARCIALIDADE
Artigo 44.º Casos de impedimento
1 - Nenhum titular de órgão ou agente da Administração Pública pode intervir em procedimento administrativo ou em acto ou contrato de direito público ou privado da Administração Pública nos seguintes casos: (*)
a) Quando nele tenha interesse, por si, como representante ou como gestor de negócios de outra pessoa;
b) Quando, por si ou como representante de outra pessoa, nele tenha interesse o seu cônjuge, algum parente ou afim em linha recta ou até ao 2.º grau da linha colateral, bem como qualquer pessoa com quem viva em economia comum;
c) Quando, por si ou como representante de outra pessoa, tenha interesse em questão semelhante à que deva ser decidida, ou quando tal situação se verifique em relação a pessoa abrangida pela alínea anterior;
d) Quando tenha intervindo no procedimento como perito ou mandatário ou haja dado parecer sobre questão a resolver;
e) Quando tenha intervindo no procedimento como perito ou mandatário o seu cônjuge, parente ou afim em linha recta ou até ao 2.º grau da linha colateral, bem como qualquer pessoa com quem viva em economia comum;
f) Quando contra ele, seu cônjuge ou parente em linha recta esteja intentada acção judicial proposta por interessado ou pelo respectivo cônjuge;
g) Quando se trate de recurso de decisão proferida por si, ou com a sua intervenção, ou proferida por qualquer das pessoas referidas na alínea b) ou com intervenção destas.
2 - Excluem-se do disposto no número anterior as intervenções que se traduzam em actos de mero expediente, designadamente actos certificativos. (*)
(*) Redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 6/1996, de 31 de Janeiro.
Artigo 45.º Arguição e declaração do impedimento
1 - Quando se verifique causa de impedimento em relação a qualquer titular de órgão ou agente administrativo, deve o mesmo comunicar desde logo o facto ao respectivo superior hierárquico ou ao presidente do órgão colegial dirigente, consoante os casos.
2 - Até ser proferida a decisão definitiva ou praticado o acto, qualquer interessado pode requerer a declaração do impedimento, especificando as circunstâncias de facto que constituam a sua causa.
3 - Compete ao superior hierárquico ou ao presidente do órgão colegial conhecer da existência do impedimento e declará-la, ouvindo, se considerar necessário, o titular do órgão ou agente.
4 - Tratando-se do impedimento do presidente do órgão colegial, a decisão do incidente compete ao próprio órgão, sem intervenção do presidente.
Artigo 46.º Efeitos da arguição do impedimento
1 - O titular do órgão ou agente deve suspender a sua actividade no procedimento logo que faça a comunicação a que se refere o n.º 1 do artigo anterior ou tenha conhecimento do requerimento a que se refere o n.º 2 do mesmo preceito, até à decisão do incidente, salvo ordem em contrário do respectivo superior hierárquico.
2 - Os impedidos nos termos do artigo 44.º deverão tomar todas as medidas que forem inadiáveis em caso de urgência ou de perigo, as quais deverão ser ratificadas pela entidade que os substituir.
Artigo 47.º Efeitos da declaração do impedimento
1 - Declarado o impedimento do titular do órgão ou agente, será o mesmo imediatamente substituído no procedimento pelo respectivo substituto legal, salvo se o superior hierárquico daquele resolver avocar a questão.
2 - Tratando-se de órgão colegial, se não houver ou não puder ser designado substituto, funcionará o órgão sem o membro impedido.
Artigo 48.º Fundamento da escusa e suspeição
1 - O titular de órgão ou agente deve pedir dispensa de intervir no procedimento quando ocorra circunstância pela qual possa razoavelmente suspeitar-se da sua isenção ou da rectidão da sua conduta e, designadamente:
a) Quando, por si ou como representante de outra pessoa, nele tenha interesse parente ou afim em linha recta ou até ao 3.º grau da linha colateral, ou tutelado ou curatelado dele ou do seu cônjuge; (*)
b) Quando o titular do órgão ou agente ou o seu cônjuge, ou algum parente ou afim na linha recta, for credor ou devedor de pessoa singular ou colectiva com interesse directo no procedimento, acto ou contrato;
c) Quando tenha havido lugar ao recebimento de dádivas, antes ou depois de instaurado o procedimento, pelo titular do órgão ou agente, seu cônjuge, parente ou afim na linha recta;
d) Se houver inimizade grave ou grande intimidade entre o titular do órgão ou agente ou o seu cônjuge e a pessoa com interesse directo no procedimento, acto ou contrato.
2 - Com fundamento semelhante e até ser proferida decisão definitiva, pode qualquer interessado opor suspeição a titulares de órgãos ou agentes que intervenham no procedimento, acto ou contrato.
(*) Redacção introduzida pela Declaração de Rectificação n.º 22-A/1992, de 29 de Fevereiro.
Artigo 49.º Formulação do pedido
1 - Nos casos previstos no artigo anterior, o pedido deve ser dirigido à entidade competente para dele conhecer, indicando com precisão os factos que o justifiquem.
2 - O pedido do titular do órgão ou agente só será formulado por escrito quando assim for determinado pela entidade a quem for dirigido.
3 - Quando o pedido seja formulado por interessados no procedimento, acto ou contrato, será sempre ouvido o titular do órgão ou o agente visado.
Artigo 50.º Decisão sobre a escusa ou suspeição
1 - A competência para decidir da escusa ou suspeição defere-se nos termos referidos no n.º 3 e n.º 4 do artigo 45.º.
2 - A decisão será proferida no prazo de oito dias.
3 - Reconhecida procedência ao pedido, observar-se-á o disposto no artigo 46.º e artigo 47.º.
Artigo 51.º Sanção
1 - Os actos ou contratos em que tiverem intervindo titulares de órgão ou agentes impedidos são anuláveis nos termos gerais.
2 - A omissão do dever de comunicação a que alude o artigo 45.º, n.º 1, constitui falta grave para efeitos disciplinares.
LEI N.º 12-A/2008, DE 27 DE FEVEREIRO
(…)
CAPÍTULO II - GARANTIAS DE IMPARCIALIDADE
Artigo 25.º
Incompatibilidades e impedimentos
1 - A existência de incompatibilidades e de impedimentos contribui para garantir a imparcialidade no exercício de funções públicas.
2 - Sem prejuízo do disposto na Constituição [v. g. artigo 266.º, n.º 2, da CRP], nos artigos 44.º a 51.º do Código do Procedimento Administrativo e em leis especiais, as incompatibilidades e os impedimentos a que se encontram sujeitos os trabalhadores, independentemente da modalidade de constituição da relação jurídica de emprego público ao abrigo da qual exercem funções, são os previstos no presente capítulo.
Artigo 26.º
Incompatibilidade com outras funções
As funções públicas são, em regra, exercidas em regime de exclusividade.
Artigo 27.º
Acumulação com outras funções públicas
1 - O exercício de funções pode ser acumulado com o de outras funções públicas quando estas não sejam remuneradas e haja na acumulação manifesto interesse público.
2 - Sendo remuneradas e havendo manifesto interesse público na acumulação, o exercício de funções apenas pode ser acumulado com o de outras funções públicas nos seguintes casos:
a) Inerências;
b) Actividades de representação de órgãos ou serviços ou de ministérios;
c) Participação em comissões ou grupos de trabalho;
d) Participação em conselhos consultivos e em comissões de fiscalização ou outros órgãos colegiais, neste caso para fiscalização ou controlo de dinheiros públicos;
e) Actividades de carácter ocasional e temporário que possam ser consideradas complemento da função;
f) Actividades docentes ou de investigação de duração não superior à fixada em despacho dos membros do Governo responsáveis pelas finanças, Administração Pública e educação ou ensino superior e que, sem prejuízo do cumprimento da duração semanal do trabalho, não se sobreponha em mais de um terço ao horário inerente à função principal;
g) Realização de conferências, palestras, acções de formação de curta duração e outras actividades de idêntica natureza.
Artigo 28.º
Acumulação com funções privadas
1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, o exercício de funções pode ser acumulado com o de funções ou actividades privadas.
2 - A título remunerado ou não, em regime de trabalho autónomo ou subordinado, NÃO PODEM SER ACUMULADAS, pelo trabalhador ou por interposta pessoa, funções ou actividades privadas concorrentes ou similares com as funções públicas desempenhadas e que com estas sejam conflituantes.
3 - Estão, designadamente, abrangidas pelo disposto no número anterior as funções ou actividades que, tendo conteúdo idêntico ao das funções públicas desempenhadas, sejam desenvolvidas de forma permanente ou habitual e se dirijam ao mesmo círculo de destinatários.
4 - A título remunerado ou não, em regime de trabalho autónomo ou subordinado, não podem ainda ser acumuladas, pelo trabalhador ou por interposta pessoa, funções ou actividades privadas que:
a) Sejam legalmente consideradas incompatíveis com as funções públicas;
b) Sejam desenvolvidas em HORÁRIO SOBREPOSTO, ainda que parcialmente, ao das funções públicas;
c) Comprometam a isenção e a imparcialidade exigidas pelo desempenho das funções públicas;
d) Provoquem algum prejuízo para o interesse público ou para os direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
Artigo 29.º
Autorização para acumulação de funções
1 - A acumulação de funções nos termos previstos nos artigos 27.º e 28.º depende de autorização da entidade competente.
2 - Do requerimento a apresentar para o efeito deve constar a indicação:
a) Do local do exercício da função ou actividade a acumular;
b) Do horário em que ela se deve exercer;
c) Da remuneração a auferir, quando seja o caso;
d) Da natureza autónoma ou subordinada do trabalho a desenvolver e do respectivo conteúdo;
e) Das razões por que o requerente entende que a acumulação, conforme os casos, é de manifesto interesse público ou não incorre no previsto nas alíneas a) e d) do n.º 4 do artigo anterior;
f) Das razões por que o requerente entende não existir conflito com as funções desempenhadas, designadamente por a função a acumular não revestir as características referidas nos n.ºs 2 e 3 e na alínea c) do n.º 4 do artigo anterior;
g) Do compromisso de cessação imediata da função ou actividade acumulada no caso de ocorrência superveniente de conflito.
3 - Compete aos titulares de cargos dirigentes, sob pena de cessação da comissão de serviço, nos termos do respectivo estatuto, verificar da existência de situações de acumulação de funções não autorizadas, bem como fiscalizar, em geral, a estrita observância das garantias de imparcialidade no desempenho de funções públicas.
Artigo 30.º
Interesse no procedimento
1 - Os trabalhadores não podem prestar a terceiros, por si ou por interposta pessoa, em regime de trabalho autónomo ou subordinado, serviços no âmbito do estudo, preparação ou financiamento de projectos, candidaturas ou requerimentos que devam ser submetidos à sua apreciação ou decisão ou à de órgãos ou unidades orgânicas colocados sob sua directa influência.
2 - Os trabalhadores não podem beneficiar, pessoal e indevidamente, de actos ou tomar parte em contratos em cujo processo de formação intervenham órgãos ou unidades orgânicas colocados sob sua directa influência.
3 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, consideram-se colocados sob directa influência do trabalhador os órgãos ou unidades orgânicas que:
a) Estejam sujeitos ao seu poder de direcção, superintendência ou tutela;
b) Exerçam poderes por ele delegados ou subdelegados;
c) Tenham sido por ele instituídos, ou relativamente a cujo titular tenha intervindo como entidade empregadora pública, para o fim específico de intervir nos procedimentos em causa;
d) Sejam integrados, no todo ou em parte, por trabalhadores por ele designados por tempo determinado ou determinável;
e) Cujo titular ou trabalhadores neles integrados tenham, há menos de um ano, sido beneficiados por qualquer vantagem remuneratória, ou obtido menção relativa à avaliação do seu desempenho, em cujo procedimento ele tenha intervindo;
f) Com ele colaborem, em situação de paridade hierárquica, no âmbito do mesmo órgão ou serviço ou unidade orgânica.
4 - É equiparado ao interesse do trabalhador, definido nos termos dos n.ºs 1 e 2, o interesse:
a) Do seu cônjuge, não separado de pessoas e bens, dos seus ascendentes e descendentes em qualquer grau, dos colaterais até ao 2.º grau e daquele que com ele viva nas condições do artigo 2020.º do Código Civil;
b) Da sociedade em cujo capital detenha, directa ou indirectamente, por si mesmo ou conjuntamente com as pessoas referidas na alínea anterior, uma participação não inferior a 10 %.
5 - A violação dos deveres referidos nos n.ºs 1 e 2 produz as consequências disciplinares previstas no respectivo estatuto.
6 - Para efeitos do disposto no Código do Procedimento Administrativo, os trabalhadores devem comunicar ao respectivo superior hierárquico, antes de tomadas as decisões, praticados os actos ou celebrados os contratos referidos nos n.ºs 1 e 2, a existência das situações referidas no n.º 4.
7 - É aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 51.º do Código do Procedimento Administrativo.
Salvo melhor opinião, deveremos procurar responder às seguintes questões:
1 - A acumulação acontece/acontecerá com conflito de interesses e com prejuízo evidente dos princípios da transparência e da isenção que devem presidir à actuação dos trabalhadores da Administração Pública?
2 - A acumulação prejudicará hipoteticamente o princípio de que os seus funcionários e agentes [trabalhadores da Administração Pública] estão exclusivamente ao serviço do interesse público?
3 - A acumulação possibilitará eventualmente [previsivelmente] que interesses estranhos prevaleçam sobre o interesse público, com prejuízo para a prossecução do interesse público?
N. B.: O Decreto-Lei n.º 413/1993, de 23 de Dezembro - reforça as garantias de isenção da administração pública, impondo aos seus trabalhadores o dever de não retirarem vantagens directas ou indirectas, pecuniárias ou outras, das funções que exercem, nomeadamente no que diz respeito a actividades privadas concorrentes ou similares com as funções que exercem na administração pública e que com estas sejam conflituantes. Regula a acumulação de funções públicas e de funções públicas e privadas. Prevê as penas disciplinares a aplicar aos titulares de órgãos, funcionários e agentes que o violarem - foi revogado a partir da entrada em vigor do RCTFP, aprovado pela Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro.