Viver com cancro/viver com doença crónica... as ausências...
As escolhas ou opções que fazemos são essenciais para preservarmos a nossa vida. Procurando garantir a saúde temos a capacidade de diligenciar melhor futuro. A autonomia de VIDA está essencialmente nas nossas mãos, dos hábitos, usos ou costumes que criamos ou alimentamos.
Senti, com mágoa (confesso), o abandono das entidades para quem trabalhava [e que me bajulavam], também de alguns/algumas "amigos/as" e companheiros/as de profissão. Essa gente deixou de ser importante na minha VIDA, magoaram-me quando estava mais débil, menos capacitado, e eu nunca gosto de quem me magoa, embora, mesmo gravemente doente (tenho consciência disso, principalmente quando tinha "somente" hemorragias internas acentuadas de etiologia desconhecida ou obscura, devidas a um tumor maligno de alto risco), jamais desista de lutar e porfiar pelo cumprimento da lei, pelo princípio da legalidade, pelos direitos, cumprindo os deveres....
Aprecio imenso os/as amigos/as que ficaram e os novos/as que ganhei, incluindo os profissionais de saúde [só aceito que me tratem se forem meus AMIGOS], outros doentes e os seus familiares.
Adoro partilhar informação, experiências observadas e vivenciadas, tentando ajudar a adaptação constante que a difícil doença requer.
Os homens e as mulheres só podem continuar a tentar atingir a realização plena, enquanto a sua existência, conseguir mudar positivamente a vida de alguém. Este é o meu conceito de vida. Viver para servir, servindo para viver. Há coisas que passam a ser irrelevantes, perante o poder simplesmente saborear a vida, minorar o sofrimento humano, fazer algo de importante para os outros.
Assim nunca me sinto só, mantendo autênticos/as amigos/as que continuam a enviar-me e-mail, a telefonar-me, a visitar-me. São poucos/as, mas salutares, os/as que compreendem que o cancro, a doença crónica, representa uma alteração acentuada de hábitos e comportamentos.
A prioridade do doente crónico é cuidar da sua saúde, de modo a obter uma razoável qualidade de vida [continuando a ser útil à família e à sociedade]. Porém, constatei que a (falta de) inteligência e o nível de (des)informação, fazem com que muitos/as não tenham capacidade para entender a nossa condição debilitada.
A esses/essas, que deixaram de nos perceber (ignorando e/ou desvalorizando a nossa doença) e se desinteressaram por uma condição que nos acompanhará toda a vida, “apago-os” da minha companhia: são fonte de frustração, mágoa e stress que é melhor eliminar rapidamente.
Ao invés, outras pessoas, simples conhecidas (por vezes recentemente), emocionam-me pelo carinho e entendimento demonstrado com um simples telefonema, com um e-mail (lido e respondido), com um aperto de mãos, com um simples sorriso (optimista e reconfortante), com um abraço (silencioso, mas que diz tudo), com um convite singelo, sincero e despretensioso.
A educação para o exercício da cidadania democrática, para o despertar das consciências colectivas e adequar das vontades privadas, é uma preocupação do Estado e de muitas organizações internacionais, num mundo onde as aptidões relacionais são tão importantes como as cognitivas.
A sociedade actual impõe-nos o consumismo, o individualismo, as desigualdades sociais, a injustiça social, o alheamento dos problemas dos demais cidadãos. Urge inevitavelmente promovermos alternativas que permitam, através de um trabalho conjunto e solidário, a realização de melhorias tanto em processos individuais como comunitários, impulsionando a mudança social.
Os valores do humanismo têm de adiantar-se ao desumano. O sonho comanda a vida de homens e mulheres que dominam admiravelmente o seu peso na escolha sensata e abnegada do caminho por onde avança a marcha do mundo, da solidariedade, da Humanidade.
Parte integrante do futuro «Guia dos Direitos e Deveres do Doente Oncológico – Os Profissionais de Saúde, os Doentes, a Família e o Cancro».