REGIME DE RESPONSABILIDADE MÉDICA em Portugal … o "CONSENTIMENTO INFORMADO" breve resenha …
REGIME DE RESPONSABILIDADE MÉDICA em Portugal … breve resenha …
A responsabilidade médica em Portugal pode refletir-se em RESPONSABILIDADE DISCIPLINAR, PENAL (criminal) e/ou CIVIL.
Aquelas que hoje são mais frequentes são as ações de responsabilidade civil. Apesar de não existir um regime próprio da responsabilidade médica (civil) existem particularidades – v. g. um regime para público e outro para o privado - que se torna conveniente compreender.
Para os utentes da saúde é fundamental conhecerem os seus deveres, mas também os seus direitos, isto é, nomeadamente, conhecerem o REGIME DE RESPONSABILIDADE MÉDICA em Portugal.
- RESPONSABILIDADE DISCIPLINAR (por parte das ordens profissionais (v. g. Ordem dos Médicos e Ordem dos Enfermeiros) e da entidade patronal (v. g. Administração Hospitalar)
Ponto comum e base dos demais postulados do Código Deontológico da Ordem dos Médicos é o da necessidade de garantir respeito pela dignidade da pessoa humana e, por isso, o respeito pela autodeterminação do paciente e sua liberdade. Neste sentido, é postulado de toda e qualquer atuação médica o dever de informar/esclarecer o paciente e consequentemente o dever de obter o consentimento [informado e esclarecido] do paciente constituindo este um dos mais relevantes deveres deontológicos dos médicos (cfr. artigo 44.º). O CONSENTIMENTO INFORMADO [ou ESCLARECIDO] decorre do respeito, da promoção e protecção da autonomia da pessoa, estando assim relacionado com os direitos ligado à autodeterminação, à liberdade individual, à formação de uma vontade [verdadeiramente] esclarecida e à escolha pessoal.
Assim, podemos concluir que o Código Deontológico da Ordem dos Médicos é um instrumento que define um conjunto de regras de conduta que integram as legis artis, daí a relevância que lhe tem sido atribuída pelo nosso ordenamento jurídico.
- RESPONSABILIDADE PENAL (análise dos vários tipos de crime previstos no Código Penal com relevância para a responsabilidade médica)
Também o nosso Código Penal (CP) se dedicou ao estudo da questão nos seus artigos 150.º, 156.º e 157.º, sendo que, neste plano, se assiste a alguma divergência quanto à tipificação do crime em questão quando se esteja perante uma intervenção ou tratamento médico não consentido. Enquanto para uns as intervenções médicas não consentidas não podem ser entendidas como verdadeiras ofensas à integridade física, para outros as intervenções médico-arbitrárias constituem verdadeiras ofensas à integridade física.
Em princípio, as intervenções médico-arbitrárias não constituem um crime de OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA porquanto o bem jurídico tutelado, quando não há consentimento [informado ou esclarecido] do paciente, não é a vida, a saúde, nem o corpo do paciente, mas sim a sua autodeterminação e consequentemente o seu direito de decidir livremente sobre si e sobre o seu próprio corpo, pelo que, dúvidas parecem não restar de que associado ao direito de autodeterminação do utente da saúde se encontra o seu direito à informação e esclarecimento nos termos do artigo 157.º do Código Penal (CP) (cfr. art.º 156.º, n.º 1 do CP).
Porém, mais precisamente, só não estaremos perante um crime de OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA se preenchidos quatro requisitos cumulativos: o primeiro é de que a intervenção seja desempenhada por um médico ou outro agente profissional autorizado, o segundo requisito é que a intervenção ou tratamento tenha uma finalidade terapêutica (i. e., uma intenção curativa ou adjuvante), o terceiro requisito é o de que aquela intervenção tenha sido proposta por um médico e por último, que tenha aquela sido realizada com OBSERVÂNCIA DAS LEGES ARTIS.
Porém, se existir uma VIOLAÇÃO DAS LEGES ARTIS [comportamento omissivo de diligências exigíveis, isto é, um comportamento negligente, de imprudência ou até de leviandade] ou não estiver preenchido qualquer um dos demais pressupostos anteriormente elencados, então sim, estamos perante típicas OFENSAS À INTEGRIDADE FÍSICA. Mas, só assim é se dessa violação da legis artis resultar um perigo para o paciente, e, ou, se não existir uma causa de justificação ou o consentimento válido do paciente, conforme resulta do disposto nos n.ºs 1 e 2, alínea d) do artigo 31.º do Código Penal, conjugado com o artigo 38.º do mesmo diploma legal.
O artigo 157.º do Código Penal (CP) impõe um DEVER DE ESCLARECIMENTO, isto porque, para que o paciente possa prestar o seu consentimento de forma válida, o mesmo deve ser previamente esclarecido, de forma que consiga efetivamente entender, do “significado, alcance e riscos da intervenção médica” – portanto, impreterivelmente associado ao consentimento do paciente, está o dever de esclarecimento do médico, daí a imposição ao mesmo do dever de informar o paciente acerca das vantagens do tratamento, das possíveis desvantagens e eventuais efeitos adversos e, ainda, informar sobre tratamentos alternativos.
O Código Penal tipifica, salvas as devidas exceções, como crime as intervenções e tratamentos médicos realizados sem o prévio consentimento [informado e esclarecido] do paciente, sendo que é de reter que aquela tipificação visa sobretudo garantir o respeito pelo direito de autodeterminação do paciente e pela sua liberdade de decisão.
EXCEÇÃO AO CONSENTIMENTO INFORMADO [ESCLARECIDO] DO DOENTE …
Presume-se que todos os que se encontram numa situação de urgência (v. g. em perigo de vida, com risco de danos graves e irreversíveis) querem viver, daí a situação [excecional] de dispensa do doente para prestar o seu consentimento informado [ou esclarecido].
Porém, tal exceção relativa ao consentimento informado [ou esclarecido] só prevalece quando não for possível, de todo, ao médico obter o prévio consentimento informado do doente [face ao seu debilitado estado de saúde (física e/ou emocional), que o impeça de compreender, por exemplo] ou dos seus familiares mais próximos, isto é, nas situações em que o médico tem de decidir de imediato, sempre no pressuposto de defesa dos melhores interesses do doente: mantê-lo VIVO e/ou procurando não causar/atenuar o risco de danos graves e irreversíveis.
LEGES ARTIS
Todo e qualquer ato médico deve ser praticado cumprindo as leges artis. Tidas como as regras da arte médica, estas transparecem o “estado de conhecimentos e de experiência da medicina existentes” e, para cada realidade temporal, refletem referências diversas relativamente ao que se constitui como boa prática – Estatuto da Ordem dos Médicos, Código Deontológico da Ordem dos Médicos, guidelines, protocolos, normas, declarações de princípios emanados de organizações nacionais e/ou internacionais, pareceres de comissões de Ética, entre outros, que todos os profissionais habilitados e titulados para o exercício da medicina têm o especial dever de conhecer e praticar.
O DEVER OBJETIVO DE CUIDADO assenta no dever de cuidado que impende sobre o médico, o profissional de saúde, em atuar como será expectável, com a diligência que se considera exigível a um profissional médico habilitado e titulado para o especial exercício da medicina.
Por isso, LEGES ARTIS e DEVER OBJETIVO DE CUIDADO não são conceitos equivalentes, embora ambos sejam normalmente associados a MÁ PRÁTICA MÉDICA ou ERRO TÉCNICO.
- RESPONSABILIDADE CIVIL:
Responsabilidade contratual / Responsabilidade extracontratual
Não existindo uma verdadeira liberdade contratual ou um concurso de vontades por qualquer das partes, não há uma relação contratual e, consequentemente, não podem ser aplicadas as regras da responsabilidade civil contratual do artigo 798.º e seguintes do Código Civil (CC). Pelo que, as regras a aplicar nestes casos são as regras da responsabilidade civil extracontratual do artigo 483.º do CC.
No âmbito de uma atuação médica praticada em clínica privada, os tribunais judiciais são os competentes e vigoram as normas do Código Civil (CC), incluindo as regras sobre o contrato de prestação de serviços (artigos 1154.º e seguintes do CC).
O regime da responsabilidade civil em hospitais públicos ou em clínicas e/ou consultórios privados é diverso. Os tribunais administrativos são competentes para julgar os litígios relativos a hospitais públicos e o diploma aplicável é a Lei n.º 67/2007, de 31/12, que aprovou o novo Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas.
Por isso, quando um paciente se dirige a um determinado estabelecimento de saúde público estabelece-se uma relação de serviço público, na medida em que os atos médicos são praticados no exercício de poderes públicos e visam garantir o interesse público daí serem definidos como atos de gestão pública e, consequentemente, à responsabilidade por atos ou omissões na prestação de cuidados de saúde, são aplicáveis as regras da responsabilidade civil extracontratual (Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro).
A responsabilidade civil extracontratual é a regra no nosso ordenamento jurídico e da leitura atenta do artigo 498.º, n.º 1 do CC, podemos concluir que o dever de reparar os prejuízos causados carece da verificação CUMULATIVA de diferentes pressupostos, entre os quais, a existência de um FACTO VOLUNTÁRIO, ILÍCITO, CULPOSO, do qual resultem DANOS e que exista um NEXO DE CAUSALIDADE entre o facto praticado e os danos causados (sofridos pelo utente da saúde).
RESPONSABILIDADE POR FALTA DE CONSENTIMENTO
O Código Civil Português (CC) de harmonia com a Constituição da Républica Portuguesa (v. g. artigos 1.º, 25.º e 26.º) também confere uma tutela à autodeterminação da pessoa humana que se encontra abrangida pelo direito geral de personalidade consagrado no artigo 70.º do nosso Código Civil (CC).
A consagração de um direito geral de personalidade visa a proteção do ser humano de qualquer ameaça ou ofensa à sua personalidade, isto é, à sua integridade psicofisiológica, vida, liberdade, saúde e autodeterminação. É, portanto, neste contexto de tutela da personalidade do ser humano, que surge no plano civil o consentimento informado [esclarecido], porquanto a violação do mesmo é suscetível de constituir uma violação do direito de autodeterminação, liberdade, saúde e nalguns casos do direito à vida.