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Escritos Dispersos

"Todos começamos por ser crianças." "Com tempo, perseverança e esperança, tudo se alcança."

Escritos Dispersos

"Todos começamos por ser crianças." "Com tempo, perseverança e esperança, tudo se alcança."

O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO NA LEI DE PROTEÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS EM PERIGO (LPCJP) … a necessidade de demonstração dos vínculos afetivos próprios da filiação …

O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO NA LEI DE PROTEÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS EM PERIGO (LPCJP) … a necessidade de demonstração dos vínculos afetivos próprios da filiação …

 

O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO implica que os pais têm direito, por si ou, preferencialmente, através dos seus mandatários – isto é, representados por um advogado ou patrono oficioso para que este traga ao processo de Promoção e Proteção a perspetiva dos pais em linguagem jurídica -, a requerer diligências, a oferecer meios de prova e a fazer alegações escritas. A audição dos pais sobre a situação que originou a intervenção e sobre a aplicação, revisão ou cessação de medidas de promoção e proteção é obrigatória, nos termos dos artigos 85.º e 107.º, n.º 1, alínea b), da LPCJP; estes têm o direito a consultar o processo (artigo 88.º, n.º 3 e n.º 4, da LPCJP); o direito de alegar (artigo 114.º, n.º 1, n.º 2 e n.º 3, da LPCJP); direito de requerer provas (requerer diligências e oferecer provas documentais ou testemunhais) (artigo 117.º) e de fazer alegações no debate judicial (artigo 119.º da LPCJP).

O advogado ou patrono oficioso, tem o dever de esclarecer os pais sobre o significado dos conceitos jurídicos e de exercer os direitos dos seus constituintes – os pais - no processo de Promoção e Proteção.

Muito relevante é saber-se que numa idade inaugural da vida, quando as crianças estão em acolhimento residencial (“instituição”) ou familiar (família de acolhimento), é fundamental assegurar as visitas e os contactos dos pais com os seus filhos - imprescindíveis à manutenção e ao desenvolvimento de vínculos afetivos - e que é basilar assegurar-lhes visitas frequentes por períodos adequados, nunca inferiores a uma hora, não comprometendo fatalmente os vínculos afetivos próprios da filiação.

Os vínculos afetivos são construídos e reforçados a todo momento, nas trocas de roupa, na alimentação, nos cuidados de higiene, no deitar, no cuidar da saúde, na interação quotidiana (rotinas), no procedimento diante de dificuldades, etc.. Por meio dessa relação o bebé, a criança, aprende mais sobre si mesmo e sobre os outros, construindo as bases das suas emoções e da convivência.

A família da criança e neste caso a família pode significar um familiar concreto, deve mobilizar-se e afirmar essa vontade inequívoca, incondicional e genuína de cuidar com respaldo na demonstração inequívoca da possibilidade de o fazer, numa atitude permanentemente proativa, agindo naturalmente a favor da criança.

A proatividade – tomar a iniciativa de agir a favor dos filhos ou crianças familiares (prevalência da família) - implica uma duradoura e estável manifestação de disponibilidade real, afetiva, material, certa e segura para cumprir a tarefa de cuidar e educar, para MANTER E AMPLIAR OS VÍNCULOS AFETIVOS PRÓPRIOS DA FILIAÇÃO.

Também subscrevo o que a este respeito escreveu, Manuel Soares, Presidente da Direção da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, a este propósito do caso da menina que faleceu [a Jéssica], “ (...) o A intervenção do Estado na proteção de crianças em perigo e na adoção de medidas administrativas ou judiciais, que muitas vezes vão contra a vontade das famílias e podem até ser de utilidade duvidosa no momento da decisão, não é qualquer coisa que se possa fazer sem uma adequada ponderação dos interesses em confronto e de inúmeras variáveis imprevisíveis do futuro (aconselho, para mais informação, a leitura do artigo “Crianças e jovens em perigo”, Carla Oliveira, Sábado online, 23/6). Costumo comparar esta dificuldade à de um relojoeiro a quem se desse apenas um martelo para consertar relógios. A pancada com a força certa no sítio próprio pode pôr o relógio a funcionar, mas ao mínimo descuido há uma grande probabilidade de o partir de vez. Também as instituições de proteção de crianças em perigo, se intervierem com instrumentos demasiado coercivos e robustos, fora de tempo ou do modo, arriscam-se a estragar mais do que a consertar. (...)”.

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Consultem sempre advogado ou patrono oficioso (advogado nomeado pela Ordem dos Advogados).

A NECESSIDADE/DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO NO ÂMBITO DOS PROCESSOS DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA: PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO (PPP) - ART.º 85.º DA LPCJP ...

A NECESSIDADE/DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO NO ÂMBITO DOS PROCESSOS DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA: PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO (PPP) (cfr. artº. 100º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP)) - o PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO e o disposto no art.º 85.º da LPCJP …

Dispõe o artigo 69.º da nossa Lei Fundamental (CRP):

«1. As crianças têm direito à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições.

2. O Estado assegura especial proteção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal.».

Dispõe o artigo 20.º da nossa Lei Fundamental (CRP):

«4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.».

A necessidade/dever de adequada fundamentação de qualquer decisão judicial encontra-se plasmada no artigo 154.º do Código de Processo Civil (CPC), o qual prescreve que:

“1–As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.

2–A justificação [ou fundamentação] não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade”.

Possui inclusive tal dever legal consagração constitucional (CRP), conforme decorre do previsto no artigo 205.º, n.º. 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), ao prescrever que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.

O dever de fundamentação tem por objetivo a adequada explicitação por parte do julgador acerca dos motivos pelos quais decidiu em determinado sentido, dirimindo determinado litígio que lhe foi colocado, de forma que todos os destinatários possam entender as razões da decisão proferida e, caso o entendam, sindicá-la e reagir contra a mesma.

Bem sabemos que no âmbito dos processos de jurisdição voluntária, PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO (cfr. art.º 100.º da LPCJP), o tribunal “não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna” (cfr. art.º. 987.º do Código de Processo Civil (CPC)). Porém,

Todavia, TAL NÃO SIGNIFICA QUE O JULGADOR TENHA UM PODER DISCRICIONÁRIO OU AUSENTE DAS LEGAIS PRESCRIÇÕES, MAS ANTES QUE A EQUIDADE, COMO A JUSTA E ADEQUADA DECISÃO PARA O CASO CONCRETO, DEVE FUNCIONAR COMO DIRETRIZ FUNDAMENTAL E NUCLEAR NAS PROVIDÊNCIAS A TOMAR.

Ora, num processo de Promoção e Proteção, apesar de ter a natureza de processo de jurisdição voluntária – cfr. art.º. 100.º da LPCJP -, não deixa igualmente de estar sujeito, nas decisões a proferir, a tal dever de fundamentação, conforme claramente decorre do art.º 295.º, ex vi do art.º. 986.º, n.º. 1, que remete para o art.º 607.º, todos do Código de Processo Civil (CPC).

É, assim, manifesta a existência de um dever de fundamentação das decisões judiciais, dever esse com consagração constitucional (CRP) e que se justifica pela necessidade das partes de conhecer a sua base fáctico-jurídica [os factos e o Direito], com vista a apurar do seu acerto ou desacerto e a decidir da sua eventual impugnação.

Com efeito, há que ter em conta os destinatários da sentença que aliás – num processo de jurisdição voluntária -, não são só as partes, mas a própria sociedade (cfr. art.º 69.º, n.º 1, da CRP). Para que umas e outra - a própria sociedade - entendam as decisões judiciais e as não sintam como um ato autoritário, importa que as sentenças e decisões se articulem de forma lógica. Uma decisão vale, sob o ponto de vista doutrinal, o que valerem os seus fundamentos. E, embora a força obrigatória da sentença ou despacho esteja na decisão, sempre tal força se deve apoiar na justiça. Ora os fundamentos destinam-se precisamente a formar a convicção de que a decisão é conforme à justiça.

“O princípio da motivação das decisões judiciais constitui uma das garantias fundamentais do cidadão no Estado de Direito” [citando Pessoa Vaz, Direito Processual Civil – Do antigo ao novo Código, Coimbra, 1998, pág. 211.].

E, acrescenta, “conforme decorre do n.º 2 do art.º 154.º do CPC a fundamentação das decisões não pode ser meramente formal ou passiva, consistente na mera declaração de adesão às razões invocadas [somente] por uma das partes, o preceito legal exige antes, uma “fundamentação material ou ativa, consistente na invocação própria de fundamentos que, ainda que coincidentes com os invocados pela parte, sejam expostos num discurso próprio, capaz de demonstrar que ocorreu uma verdadeira reflexão autónoma” [citando José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1.º, Coimbra Editora, 2.ª edição, págs. 302-303].

Prevendo acerca da audição dos titulares das responsabilidades parentais, estatui o n.º. 1, do art.º. 85.º da LPCJP que:

“1- Os pais, o representante legal e as pessoas que tenham a guarda de facto da criança ou do jovem são obrigatoriamente ouvidos sobre a situação que originou a intervenção e relativamente à aplicação, revisão ou cessação de medidas de promoção e proteção”.

Referencia Tomé d’Almeida Ramião [in “Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo Anotada e Comentada”, 7.ª Edição, Quid Juris, pág. 186] concretizar o presente normativo “o princípio de audição obrigatória e participação dos pais (…)”, devendo ser “prévia e obrigatoriamente ouvidas pela comissão de proteção (CPCJ) ou tribunal, no respetivo processo de promoção e proteção, e em todas as decisões que impliquem a aplicação, revisão ou cessação das medidas”.

Violará o princípio do contraditório e o disposto no art.º 85.º da LPCJP o despacho que decide contra anteriores medidas estabelecidas em acordo de promoção e proteção, sem ouvir ambos os progenitores.

Como norma de índole geral, estatui o artigo 3.º, do Código de Processo Civil (CPC), prevendo acerca da necessidade do pedido e da contradição, que:

“1- O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.

2- Só nos casos excecionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida.

3- O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.

4- Às exceções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final”.

Ajuizando acerca do princípio do contraditório, refere Lebre de Freitas [in “Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais à Luz do Novo Código”, 4.ª Edição, Gestlegal, 2017, págs. 126 e 127] vigorar no presente uma noção lata de contraditoriedade, “entendida como garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de Direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão”.

Pelo que, o desiderato ou escopo principal de tal princípio “deixou assim de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à atuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de incidir ativamente no desenvolvimento e no êxito do processo”.

E, concretizando a operacionalidade de tal princípio no plano das questões de Direito, acrescenta ser exigível que, “antes da sentença, às partes seja facultada a discussão efetiva de todos os fundamentos de direito em que a decisão se baseie”.

Acrescenta que a “proibição da chamada decisão-surpresa tem sobretudo interesse para as questões, de direito material ou de direito processual, de que o tribunal pode conhecer oficiosamente: se nenhuma das partes as tiver suscitado, com concessão à parte contrária do direito de resposta, o juiz – ou o relator do tribunal de recurso – que nelas entenda dever basear a decisão, seja mediante o conhecimento do mérito da causa, seja no plano meramente processual, deve previamente convidar ambas as partes a sobre elas tomarem posição, só estando dispensado de o fazer em casos de manifesta desnecessidade (art.º 3.º, n.º 3, do CPC)”.

Por outro lado, a legal solução “propicia ao juiz melhores condições para uma ponderação serena dos argumentos”, pelo que a audição das partes apenas “pode ser dispensada em casos de «manifesta desnecessidade» (conceito indeterminado que deve ser encarado sob uma perspetiva objetiva), de indeferimento de nulidades (art.º 201.º do CPC) e sempre que as partes não possam, objetivamente e de boa-fé, alegar o desconhecimento das questões de direito ou de facto a decidir ou as respetivas consequências” [Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, Almedina, 2019, reimpressão, págs. 19 e 20].

A dispensa da observância do princípio do contraditório tem, deste modo, natureza excecional, apenas se justificando “quando a questão já tenha sido suficientemente discutida ou quando a falta de audição das partes não prejudique de modo algum o resultado final".

Donde, estando-se perante uma diferenciada qualificação jurídica dos factos, legítima de acordo com o n.º. 3, do art.º 5.º, do Código de Processo Civil (CPC), não está dispensada “a necessidade de o juiz auscultar as partes, na medida em que uma diversa qualificação jurídica pode contender com a posição que cada uma delas adotou no processo, interferindo na tutela dos respetivos interesses” [Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2019, reimpressão, pág. 20].

Consequentemente, não se encontrando especificados os fundamentos de facto e de Direito que determinaram a convicção do julgador e o levaram a decidir como decidiu, há que concluir pela falta de fundamentação e por consequência, pela nulidade da decisão judicial proferida nos termos do atual art.º 615.º, n.º 1, alínea b)] do CPC.

Sublinha-se que o princípio da igualdade das partes e o princípio do contraditório possuem dignidade Constitucional (CRP), por derivarem, em última instância, do princípio do Estado de Direito.

As partes num processo têm, pois, direito a que as causas em que intervêm sejam decididas "mediante um processo equitativo" (cfr. o n.º 4 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP)), exigindo-se não apenas um juiz independente e imparcial (um juiz que, ao dizer o Direito do caso, o faça mantendo-se alheio, e acima, de influências exteriores, a nada mais obedecendo do que à lei e aos ditames da sua consciência), como também que as partes sejam colocadas em perfeita paridade de condições, por forma a desfrutarem de idênticas possibilidades de obter justiça, pois, criando-se uma situação de indefesa, a sentença ou decisão judicial só por mero acaso será justa.

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